segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Itamaraty retorna aos clássicos: ótima notícia!

Vejam aqui a matéria que o repórter Ricardo della Coletta publicou sábado último, dia 16 de fevereiro, no site da Folha de S. Paulo, acerca da mudança curricular no Instituto Rio Branco/Ministério das Relações Exteriores:


Para quem se interesse por aprofundar a questão, segue, agora,  a íntegra da minha resposta ao jornalista, que me procurou em busca de subsídios para a reportagem. (Como sempre ocorre, por razões editoriais e falta de espaço, apenas um pequeno trecho da minha resposta foi publicado.):

 Não sou especializado em matérias 'técnicas' da política externa e das relações internacionais do Brasil; por isso, não opinarei sobre o remanejamento dessas disciplinas na grade curricular do IRBr, mas sou totalmente favorável ao estudo dos clássicos do pensamento ocidental baseado em leitura atenta e discussão séria dos chamados Grandes Livros da nossa tradição de raízes  judaico-cristãs e greco-romanas.

Um clássico -- Platão, Aristóteles, Virgílio, Cícero, Agostinho, Tomás de Aquino, Marsílio de Pádua, Maquiavel, Hobbes, Locke, Montesquieu, Burke, Madison, Balzac, Tocqueville, Dostoiévsky, Weber, Mann, Eliot, Strauss, Voegelin etc -- nuca sai de moda, é sempre atualíssimo por  dirigir-se a questões de perene validade para a condição humana, para a vida dos indivíduos e das coletividades: quem somos? De que modo devemos viver? Etc.Num mundo que se transforma a uma velocidade vertiginosa, em que o relativismo solapa as nossas tradições, herdeiros que somos, repito, do legado do Ocidente, são justamente os clássicos que fornecem aqueles raros e preciosos pontos fixos de apoio que permitirão a todos nós, inclusive aos jovens futuros diplomatas, construir uma perspectiva sólida, lúcida, bem informada, indispensável para compreender e atuar sobre os desafios -- domésticos e internacionais -- de hoje, de amanhã e de sempre. Chega de superficialidades novidadeiras empacotadas como a verdade da vez, ao som do dernier cri dos sacerdotes (não raro também inquisidores) do politicamente correto; do irracionalismo obscurantista travestido de racialismo, gayzismo, feminazismo, multiculturalismo, enfim, de pós-modernismo; dos frutos podres da cabeça dos intelectuais orgânicos da mobilização do ressentimento, disseminados pelos  e seus fieis repetidores  no comentariado midiático!

Como eu costumava explicar aos meus alunos de graduação e pós-graduação na UnB, diante do magnífico legado de sabedoria dos Grandes Livros não passamos de pigmeus intelectuais; porém, o anão que ousa subir nos ombros de gigantes acaba enxergando ainda mais longe do que eles.

Por último, mas não em último, aqui está o background sobre o projeto dos Great Books, que enviei a Della Coletta, a pedido dele mesmo; pena que faltou espaço para publicá-lo em complementação à matéria da Folha:

Robert Maynard Hutchins (1899/1977) e Mortimer Jerome Adler (1902/2001), respectivamente presidente -- entre 1929 e 1946 -- e chanceler -- até 1951 -- da Universidade de Chicago; e professor de Filosofia também na UC, uniram-se na defesa do ideal clássico da formação universitária humanística contra aquilo que consideravam uma obsessão avassaladora com o especialismo profissionalizante nas instituições de ensino superior, nos Estados Unidos e no mundo do pós-Segunda Guerra. Ambos encaravam seriamente  as disciplinas componentes do trivium das universidades medievais -- lógica, gramática, retórica -- , associadas, mais tarde, a matérias como filosofia, história, psicologia etc, como indispensáveis à formação do cidadão livre; daí serem conhecidas há quase dois milênios como as artes liberais. A parceria Hutchins/Adler  frutificou no lançamento, em 1952, da magnífica e extensa coleção great Books of the Western World, com a chancela da Encyclopaedia Britannica, Inc. A genial dupla de pensadores-empreendedores do conhecimento acreditava no casamento do legado clássico da literatura, das artes, da história etc com a tipicamente americana fé no aprenda-sozinho-qualquer-coisa (teach-yourself-anything), cujo exemplo  mais resplandecente foi a trajetória pessoal do presidente Abraham Lincoln. A coleção era comercializada de porta em porta, continente norte-americano afora, pelos vendedores da Britânica, que, em seu sales-pitch, apelavam para os anseios de distinção cultural das famílias  de classe média que então vivam o boom de prosperidade do pós-guerra. 

Dois de seus volumes compõem o Syntopticon, guia de leitura para os demais 52 livros da coleção.

Além de reformador educacional na perspectiva da tradição humanística -- ex.: A Proposta Paideia; um Manifesto Educacional, 1982,aqui publicada pela UnB durante a gestão do reitor José Carlos  Azevedo -- Mortimer Adler era um prolífico autor de obras de popularização dessa cultura clássica, como Aristotle for Everyone Ten Philosophical Mistakes, entre muitos outros títulos. Recentemente a editora É Realizações, de SP, publicou um dos seus trabalhos mais úteis e conhecidos, Como  Ler Livros.