Colaborei parcialmente para esta reportagem de O Estado de São Paulo, domingo, 21 de abril de 2019, concedendo entrevista ao jornalista Rafael Moraes
Enquanto o governo tenta encontrar o rumo da articulação política, o Congresso impõe uma agenda própria. Na prática, foi o presidente Jair Bolsonaro quem abriu o caminho para o "empoderamento" do Legislativo ao abandonar o presidencialismo de coalizão, prática de governar dos seus antecessores. O Parlamento ocupou o espaço vazio: já são seis as iniciativas traçadas pelo Congresso para garantir maior influência e poder político.
No duelo com o
Planalto, o Congresso tem usado suas armas. Em dois meses de trabalho, a Câmara
aprovou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que estabelece o orçamento
impositivo, retirando do governo o poder de autorizar gastos apenas quando bem
entender. O "pacote de maldades" inclui, ainda, limitar o poder do
presidente de editar medidas provisórias, impor derrotas em votações de
propostas de interesse do governo, priorizar projetos de autoria dos deputados
e senadores em caso de temas coincidentes, atrasar a votação da reforma da
Previdência e estabelecer outros interlocutores prioritários que não o
Planalto.
Antes e depois das
eleições, Bolsonaro "criminalizou" o presidencialismo de coalizão. A
prática, que consiste em dividir o poder - e os ministérios - com partidos
aliados em troca de apoio no Congresso, é chamada por ele de "velha
política". Não são poucos os escândalos envolvendo esse sistema. Compra de
votos para a reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mensalão, Lava
Jato são os mais conhecidos. A generalização, contudo, incomoda o Congresso.
"O problema
não é o presidencialismo de coalizão e sim as intenções na formação do
governo", resume o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ele
reconhece que Bolsonaro não tem como adotar esse modelo porque seu
"eleitorado raiz" reagiria. Sem alternativa, os parlamentares
decidiram aproveitar o vácuo para se impor. "A decisão do presidente de
priorizar a independência entre os poderes abre a possibilidade de restabelecermos
as nossas prerrogativas", afirma.
Carismática
O cientista
político Paulo Kramer, que colaborou com o programa de governo de Bolsonaro,
recorre ao sociólogo alemão Max Weber para definir a forma Bolsonaro de
governar como "carismática ou plebiscitária - em que o líder procura uma
aliança direta com as massas passando por cima da cabeça dos
congressistas".
"Vai ser
sempre uma relação instável em que, de um lado, o presidente vai procurar não
perder o capital de popularidade perante as massas - e as massas não se agradarão
se ele ficar muito íntimo dos deputados e senadores - e o Congresso vai esperar
que a popularidade de Bolsonaro se desgaste pra aumentar o poder de
barganha", avalia.
Segundo Kramer,
essa forma de governar, no entanto, deixa o presidente em uma condição mais
vulnerável. "Como não organizou uma base nos moldes do presidencialismo de
coalizão, Bolsonaro está pendurado na rua. O carisma de um líder é fugaz, não
dura muito", diz.
Luta
A medida mais
avançada do Congresso para se sobressair ao Planalto é o orçamento impositivo,
que retira do governo o poder de autorizar gastos apenas quando bem entender.
Era prática recorrente nos governos que antecederam Bolsonaro a liberação de
recursos às vésperas de votação em troca de apoio de parlamentares para aprovar
matérias.
O próximo passo
será limitar a edição de medidas provisórias. A Câmara tem um projeto nesse
sentido, mas o presente de grego para o governo pode vir do Senado. Na última
semana, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), apresentou projeto limitando em
cinco as MPs que o presidente poderá editar. Hoje não há um teto. Como tem
força de lei, as MPs são usadas pelo Executivo como um drible que evita a
demora do Congresso na análise das proposições.
O presidente do
Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), um governista convicto, não gosta de briga,
mas está sendo pressionado a colocar a Casa na trilha do
"empoderamento" e já deu sinal verde para a votação da proposta do
amigo Randolfe.
Além de limitar os
poderes do presidente da República, o Congresso também vai rivalizar com ele. A
equipe econômica prepara uma proposta de reforma tributária, mas Maia já disse
em voz alta que vai tocar a do líder do MDB, Baleia Rossi (SP).
A agenda econômica
é outro motivo de medição de forças com o governo. Nesse caso, o Planalto tem
batido em um muro chamado Centrão, que reúne legendas mais fisiológicas como
PP, PR, PRB, DEM e Solidariedade. O grupo, que dominou o Congresso com Dilma e
Temer, voltou a ditar as regras na Câmara, causando sucessivas derrotas ao
governo. A última foi na semana passada, quando adiou a votação da reforma da
Previdência para o próximo dia 23.
Maia tem
interlocução própria com o mercado financeiro. Essa ponte com empresários e
banqueiros tem influenciado na agenda independente do Congresso. Empresários que
conversam com Maia dizem que o orientaram a tocar um "governo
paralelo", uma vez que o presidente está refém da agenda ideológica, razão
pela qual ninguém espera que mergulhe de cabeça na aprovação da reforma da
Previdência. / COLABOROU RAFAEL MORAES MOURA
Link para a reportagem:
https://www.terra.com.br/noticias/congresso-impoe-agenda-propria-a-bolsonaro,26f9d2814ec2712c94fe9a06e6c7e277k958ft5e.html